Alcy - Quando eu for rei - Poesia

Quando eu for rei setembro/2008

Meu reino será como Pasargada de Manuel,
Menos talvez machista, darei alguns direitos à mulher
Menos o de deixar de ser mais sensível que o homem,
Menos o de abortar sonhos lânguidos ao ruído baixinho de riacho,
Menos o de não querer amar e muito menos o de querer amar um,

Será como a mansarda de Pessoa, os sertões de Euclides
Sensível, imprevisível, aceitável.
Terá trens em todas as direções,
Trens noturnos de viajantes esperançosos,
Whiskie com guaraná, porções de bolinhos de carne seca do Valadares,
Garçons espertos como o Baixinho ou o Mane, leitores de cartões wireless
Varanda nos vagões, demoras que passam por estações,
Homens distintos de sonhos impossíveis, madrugada até o meio dia

Vendedores de brincos e bijuterias, versos recitados à mesa,
Banheiros limpos e remédio para taquicardia,
Estações bucólicas entre montanhas,
Táxis sempre prontos, motoristas discretos,
Casinhas com lareira na colina,
Hotéis sem mofo nem cheiro,
Mariatis que dispensam propina

Policia holandesa, permissividade francesa,
Safadeza brasileira, discrição húngara, beleza russa.
Saias só justas e acima do joelho,
Vestidos só hippies e espaçosos com bordados indianos,
Ternos só italianos, sapatos alemães.

Coxas grossas e punhos de aço nas mulheres,
Morenas, mamelucas, índias, brancas, rosadas e muticor.
Peito largo e braços fortes nos homens,
Corados, barbeados, rastafari, o que quiser.

Hino nacional do Raul cantado por Caetano e Ana
Doze bandeiras, uma por mês no mastro,
Doze religiões, todas de uma vez
Nenhum ministro, muitos amigos.

Restaurantes com estacionamento gratuito,
Comida aprazível de todos os matizes,
Bolsa artista para quem a fizer ou mostrar
Camburões só de cevada, gelo a vontade.
Fusca pra todo mundo.
Um só imóvel por pessoa,
Bancos que imprimem quanto se precisar – sem gerentes nem filas.

Inexiste o aluguel e as empresas de cobrança,
Inexiste pobreza e vingança.
Inexiste roubo e arrogância.
Fica extinta dor sem remédio e morte sem sono.

Policiais serão policiais,
Bandidos, bandidos,
Amantes, amantes,
Ficará extinto o direito a duvida, o ônus da prova
O casamento

Banheiras e espuma em todas as casas,
Imposto por tristeza compulsória,
Pelo menos cinco amigos do peito para cada peito
Pelo menos cinco semanas de férias alem das férias
Só se trabalhará por prazer,
Sabão, azeite, feijão com carne seca e macarrão com molho para todos.

Quando for rei a frota real ficará a disposição
Porque pelo menos uma vez na vida
Se deve acelerar o V8 presidencial,
Levar os amigos na limusine papal,
Namorar no Jaguar imperial,
Voar na mansão alada real.

Quando for rei, meu reino será Avalon
Sem brumas nem guerras,
Cálices para conhaque, taças para vinho e copos para o resto
Fica extinto o assedio, a solidão e os distúrbios mentais.
Ficam extintas as viagens do rei a outros reinos,
As bermudas para as mulheres e os shorts para homens.

Fica abolido o self-service e a indolência
Batom, rouge, pintura de cabelo, meia fina,
Torresmo com farofa grossa e gordura de porco,
Plástica e combustível por conta da casa.

Crianças até quando quiserem,
Peixes nos rios, água potável, limpeza austríaca
Fica abolido o fósforo e a pólvora,
Fica banido o ciúme doentio.
Fica permitido o ócio

Quando eu for rei,
Esta será a lei; as outras revogadas
E ponto.
Está pronto.

Alcy Paiva

Um comentário:

  1. Nossa senhora! Quantas lembranças maravilhosas ler esse poema do nosso Mestre! Meu sorriso abriu sem querer...em pensar que tive o prazer de assistir a criação deste poema agora citado...lembro das noites sem dormir, ouvindo Raul, jogando um baralho e citando e criando o tal poema! Obrigado mais uma vez Cia.Eiro por me fazer mais feliz!

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